sábado, 22 de novembro de 2014

O Chrysler Building.

 
 
 
 
 


 







William Van Alen




Há momentos em que parece existir justiça no mundo, mas não quando falamos do Chrysler Building. Provavelmente, um dos mais belos arranha-céus de Nova Iorque, mil vezes celebrado como a quintessência do art déco americano. Sempre que se tecem banalidades sobre Batman e Gotham City, lá surge a referência às gárgulas metálicas que, lá do alto, vigiam a azáfama dos mortais no calor das ruas. Nunca consegui vê-lo como queria. Do Chrysler vi apenas o átrio e pouco mais. Não passei dali, da contemplação das maravilhosas portas dos elevadores, folheadas a madeiras exóticas.
         Tão glorificado, para sempre imortalizado nas corajosas fotografias de Margaret Bourke-White e, no entanto, não conheço nenhum livro que descreva a sua história, a sua arquitectura. Logo na América, onde não se descobre nada que não tenha já sido escrutinado por outros até à exaustão, analisado por académicos ou simples curiosos. O único livro que conheço sobre o Chrysler saiu em 2002 – e poucas páginas dedica à história do edifício, um prodígio de elegância urbana. Da autoria de David Stravitz, só tem fotografias da época da construção. E percebe-se porquê. Num destes acasos do destino, que repõem um pouco de justiça e confiança no mundo, Stravitz descobriu, na loja de um velho fotógrafo de Nova Iorque, umas caixas que ninguém sabia o que tinham. Perguntou o que era aquilo, responderam que não era nada de especial, um conjunto de negativos que dentro de dias iriam ser derretidos para obter a prata. Stravitz insistiu, teimou e enfim lá lhe mostraram o tesouro perdido: mais de 150 negativos que mostravam, dia após dia, a erecção do Chrysler Building, do início dos trabalhos até ao derradeiro momento. Tratava-se de uma encomenda que o construtor ou o arquitecto tinham feito à firma de fotógrafos Peyser & Patzig. Viram a luz do dia neste fabuloso livro de David Stravitz, The Chrysler Building. Creating a New York icon, day by day. Pouco se sabe sobre origem das imagens, de que aqui se mostra apenas uma pálida amostra. O mais provável é terem sido encomendadas pelo general contractor, Fred T. Ley, para documentar a evolução da obra. O projecto começara por volta de 1911, quando o empresário William H. Reynolds, que já se destacara na construção do Dreamland Park, em Coney Island (que aparece em todos os filmes que mostram Coney Island), comprou um terreno do lado leste da Lexington Avenue, entre a 42ª e a 43ª avenidas. Pretendia edificar aí um arranha-céus portentoso, de 246 metros de altitude, tendo solicitado os serviços do arquitecto William Van Alen. Acabaria por vender o prédio a Walter P.Chrysler.
         Conta-se que o pináculo foi edificado secretamente para, ao ser revelado, esmagar a concorrência doutros prédios que almejavam o título do maior do mundo. Parece ser lenda, ainda que existam provas de que o pináculo foi montado no interior do edifício e colocado num tempo recorde: 90 minutos. Mas o mundo só às vezes é justo: o Chrysler foi concluído em Outubro ou Dezembro de 1929, desafiando a Grande Depressão. Com uma altura final de 318 metros, era o edifício mais alto da época. Mas nem isso mereceu destaque na imprensa. Meses depois, seria ultrapassado em altura pelo Empire State. Quando falaram dele foi para o denegrir, chamando-lhe «frívolo» e «atrasado» em relação ao seu tempo. O tempo se encarregaria de lhe fazer justiça como um dos arranha-céus mais amados de Nova Iorque. Nos andares 66 a 68, o Cloud Club, exclusivo local de convívio para quem podia ver o mundo de tão alto: o financeiro E. F. Hutton, o editor Condé Nast ou Juan Trippe, fundador da Pan Am. Após a 2ª Guerra e com o apogeu do international style, pôde parecer demasiado convencional e previsível. Mas o facto é que continua lá, gigante e belo, simultaneamente delicado e agressivo. Bem lá no alto, a olhar por nós.

 
 
Para o José Carlos,
um esteta que vive fascinado pelo Chrysler Building
 
António Araújo  

 
 




 

2 comentários: