domingo, 8 de março de 2015

As guerras do hummus.

 
 
 
 
 
Hoje à tarde, na Judaica – Mostra de Cinema e Cultura, uma festa que Lisboa deve à generosidade e à dedicação de Elena Piatok (obrigado, Elena!), passou um filme extraordinário. Faça Hummus, Não Guerra, do australiano Trevor Graham, são 77 deliciosos minutos. Sobre o hummus, um prato típico do Médio Oriente. O meu grande amigo José Sobral, que se interessa e estuda como ninguém os cruzamentos entre culinária e nacionalismo, certamente teria gostado deste filme.
 
 
 
 
 
 
A guerra principiou quando Israel começou a exportar a massa com que se faz o hummus com o rótulo «product of Israel» (aqui ou aqui). O Líbano não gostou, ripostando com um hummus colossal, feita por dezenas de cozinheiros, com entrada directa no Guinness. Depois vieram os palestinianos, metendo-se ao barulho. O filme aborda a querela de uma forma desconcertante, com um humor finíssimo. Trevor Graham entrevista israelitas (e uma norte-americana neocon) que juram que o produto é criação judaica. Depois, a autoridade palestiniana, ao mais alto nível, assevera que o hummus é tão árabe como o chão que pisam. Satiriza-se o belicismo da contenda: por um lado, entrevistas a políticos ou donos de restaurantes; por outro, imagens de pelejas épicas extraídas de películas bíblicas feitas em Hollywood (filmar a Bíblia em Meca, ainda que só a do cinema, também se prestaria a algumas divagações…). Paira a dúvida no espectador: a guerra do hummus é consequência de outras batalhas, bem mais sangrentas? Ou, pelo contrário, os Seis Dias ou a Intifada são expressão de um conflito mais surdo e antigo, de uma inimizade cultural milenar, em que hummus e heimat surgem como sinónimos? O que é notável, neste filme, além da independência da abordagem, é o facto de nunca insultar a inteligência do espectador, jamais alimentando a pretensão de o manipular ou de fazer com que tome partido numa contenda que é muito mais do que culinária. Brinca-se com esta guerra, mas o apelo à paz é bem explícito. O hummus é uma metáfora para tratar, como nunca vi tratado, o conflito do Médio Oriente; com infinita graça e com imensa sabedoria. Bem valia a pena que este extraordinário documentário passasse na nossa televisão.    
 
 

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