domingo, 3 de maio de 2015

Pas de deux.

 
 
 
 




 


 


 
 
 
 
As primeiras palavras d’Os Anjos de Apolo, de Jennifer Thomas, são uma dedicatória. Para o Tony. É-me indiferente saber se o marido de Jennifer Thomas, o historiador Tony Judt, já então se encontrava afectado pela doença atroz que o vitimou. Os Anjos de Apolo é, tão-só, a melhor história do ballet que existe em língua portuguesa. Logo nas primeiras páginas, a sua autora diz que o ballet pode ter chegado ao fim, sendo hoje visto como antiquado e fora de moda, desajustado a um tempo acelerado e desordenado.
         Não sei se Jennifer Thomas estará a ser demasiado pessimista neste seu prognóstico tão sombrio. Mas acerta plenamente no diagnóstico: o ballet exige uma ordem e um equilíbrio que nem sempre parecem compagináveis com o ritmo alucinante dos nossos dias. Não é difícil percebê-lo: há uns tempos, já longínquos, publiquei aqui uma série de imagens de Alfred Eisenstaedt, cisnes repousantes, perto do céu.
O ballet é uma arte exigentíssima, que requer tanto esforço e trabalho como qualquer outra das mais duras actividades humanas. Aqui estão bailarinas mas poderiam estar operárias fabris, trabalhadoras das minas ou camionistas de longo curso. Há 16 anos, a fotógrafa Lucy Gray, acabada de ser mãe, decidiu retratar mulheres que conjugam a maternidade e a profissão. Um dia, por acaso, encontrou num mercado uma bailarina; falaram, conversaram-se, e Lucy começou a espreitar os bastidores do San Francisco Ballet. Durante 15 anos, acompanhou três mães-bailarinas: Katita Waldo, Tina LeBlanc e Kristin Long. Os depoimentos destas mulheres podem ser vistos aqui, o que deveras recomendo porque hoje é Dia da Mãe.
As fotografias, como disse, foram tiradas durante 15 anos, acompanhando o crescimento das crianças, feito em palco ou fora dele. Lucy Gray publicou há pouco o produto do seu trabalho: Balancing Acts. Three Prima Ballerinas Becoming Mothers. Ao apresentá-lo, disse que a maternidade tinha dado àquelas mulheres uma nova perspectiva sobre o seu trabalho, um novo olhar sobre o bailado. Não se tratou apenas de conseguir conciliar a experiência de ser mãe e uma das mais árduas profissões do mundo.  Muito mais do que isso: a maternidade enriqueceu aquelas mulheres como pessoas e como praticantes de uma arte que, dizem, está em vias de extinção. Pelo menos, foi o que aqui testemunharam as três mães-bailarinas.
Se é verdade ou não, não sei. Sei apenas que, por uma coincidência incrível, estava ver estas imagens granuladas quando, subitamente, me aparece à frente um trecho de um livrito maravilhoso que andava a ler, chamado Uma Negrinha à Procura de Deus, de George Bernard Shaw. Que diz assim:
 
«A vida é chama que está sempre a extinguir-se. Mas acende-se de novo todas as vezes que nasce uma criança. A vida é maior do que a morte, a esperança maior do que o desespero.»
 
 
Seria algo pretensioso e exageradão dedicar este texto a todas as mães do mundo, pois o Malomil não é visto em toda a parte, notando-se falhas acentuadas de visitantes da Bielorússia e da África subsaariana. Por isso, estas palavras piegas vão apenas para a Raquel, que foi mãe e depois fez uma tese, e para a Isabel, que fez uma tese e depois foi mãe. E também, claro, porque é hoje o dia, para a minha Mãe, com mãeiúscula.
 
António Araújo

 
 




 

3 comentários:

  1. Belo texto, António.
    Teresa Mónica

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  2. Amizade sua, Teresa. Mas obrigado, claro!

    Com amizade minha,

    António

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  3. E eu acrescento, se me permite:

    "...e às que não foram mães mas distribuem - ou distribuíram - o seu amor maternal por quem passou e dele necessita(va)."

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