quinta-feira, 8 de outubro de 2015



impulso!

100 discos de jazz para cativar os leigos e vencer os cépticos !

 

# 90 - JAMES CARTER
 



 
Gerou entusiasmo a entrada de James Carter na cena do jazz, mas os tempos eram outros. O agentes, os publicistas, os editores, ou quem quer que determina estas coisas, ainda tentaram encorpá-lo em algo denominado Tough Young Tenors, todavia a iniciativa ficou-se pelos alicerces, ou seja, por uma jam session notável, porém desprovida de consequência. O decurso dos anos veio revelar que os demais participantes (Walter Blanding, Jr., Herb Harris, Tim Warfield, Jr. e Todd Williams) se quedaram numa nobre mediana, esse húmus tão necessário à germinação e crescimento de talentos primazes.
Em boa verdade, a última geração do jazz a prometer programa e movimento, foi a dita dos Young Lions, irrompida no dealbar dos anos 80, com o centurião Wynton Marsalis à frente de uma coorte composta por Brandford Marsalis, Terence Blanchard, Donald Harrison, todos oriundos de Nova Orleães, e ainda Kenny Garrett, Marcus Roberts e Jeff “Tain” Watts – vieram, perturbaram e ficaram.
Quer isto dizer que na última década do século XX, em conformidade com a atmosfera dominante, James Carter chegou e afirmou-se sozinho. Que mal tem isto? Algum, porque o jazz, à semelhança doutras artes, principalmente as plásticas, é escola, quer dizer: mestres e discípulos, convívio e comunidade, tradição e renovação (ou ruptura…), conflito e sinergia, permuta e discussão. Da mesma mocidade de Carter não faltam excelentes e comprovados músicos – o seu mais ou menos rival no saxofone Joshua Redman, os trompetistas Roy Hargrove e Nicholas Payton, o pianista Cyrus Chestnut, o vibrafonista Stefon Harris, o contrabaixista Christian McBride, só para referir um punhado de favoritos – mas todos cintilaram como estrelas sem constelação.
Não ter James Carter partilhado um espírito geracional está longe de significar que apareceu de geração espontânea. Nado e criado em Detroit, desde cedo se imbuíu do estilo local de jazz, de colarinho azul e espesso como o aço, pontificado pelos eméritos irmãos Jones (Hank, Thad e Elvin). Aquilo que de imediato notabilizou James Carter e de algum modo estarreceu foi o seu vibrante e camaleónico virtuosismo. Dedilhando com igual à vontade toda a gama de saxofones, mais as flautas e o clarinete baixo, soube afeiçoar o seu estilo ao timbre de cada um dos instrumentos, multiplicando uma espécie de heterónimos como um Pessoa do jazz – o Carter do saxofone tenor, não é decalcado do Carter do barítono… Claro que este condão arriscaria converter-se num número circense não havendo coração musical que o sustente.
Terá sido precisamente para demonstrar idoneidade, além da perícia, e de caminho perdigueirar um território demarcado e autónomo no mesmo passo em que se vinculava à tradição, que em 1996 James Carter cometeu o disco “Conversin’ with the elders”.
 
 

 

Conversin’ with the elders
1996
Atlantic - 7567829082
James Carter (saxofone alto, tenor, barítono, clarinete baixo), Lester Bowie (trompete), Larry Smith (saxofone alto), Harry “Sweets” Edison (trompete), Hamiet Bluiett (saxofone barítono), Buddy Tate (saxofone tenor, clarinete), Craig Taborn (piano), Jaribu Shahid (contrabaixo), Tami Tabbal (bateria).
 
 
O programa de “Conversin’ with the elders” era simples e dificílimo: praticar duetos com uma panóplia de músicos de estatuto cardinalício. Tudo bem transportado por uma sólida secção rítmica onde se destacava ao piano um Craig Taborn ainda um pouco verdoengo. Acrescentava dificuldade à campanha o facto de Carter ter dado o terreno do reportório ao adversário, viajando assim com os parceiros ao longo de vários fusos horários do planeta jazz, desde o swing vernáculo de Harry “Sweets” Edison até ao libérrimo Hamiet Bluiett no pungente saxofone barítono. Pelo meio há uma troca de mimos no clarinete baixo com o venerável Buddy Tate. A função abre e encerra na companhia do trompetista Lester Bowie, o mentor e mestre de James Carter. As feras com quem o rapaz se metia eram implacáveis e não hesitavam em cravar uns acordes imbatíveis ao menor deslize ou distracção. A isto Carter retorquiu da melhor maneira, sem a veneração ou a insolência típicas do jovem escudeiro a querer evidenciar-se e ser aceite pelo paladino. Com todos dialogou de modo desenvolto e alacre, sem perder compostura. 
Em “Conversin’ with the elders” comovente mesmo é presença de Larry Smith. Quem? Uma lenda cuja fama nunca ultrapassou os arrabaldes de Detroit, um daqueles músicos locais que são luzes a bruxulear noite após noite em cidades secundárias, gente a quem a história do jazz muito deve e pouco recompensa. Como se o resto não fosse de admirar, só isto bastaria para louvar o disco; nele James Carter expôs-se até às raízes – talvez por isso tenha crescido tão bem.
 
 
José Navarro de Andrade
 
 
 
 

2 comentários:

  1. Devido aos muitos afazeres (criar o máximo de SNAFU no on-line do Expresso) vou aproveitar o domingo para colocar qualquer coisinha.
    Este é um dos músicos que cria pele de galinha.

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