sexta-feira, 1 de abril de 2016




impulso!

100 discos de jazz para cativar os leigos e vencer os cépticos !

 

 

# 40 - AHMAD JAMAL

 

 

 
Hotel decadente na zona sul de Chicago, a mais pobre da cidade, assim era o Pershing que nos seus melhores tempos pertencera a Al Capone. Blasonava algum prestígio musical, pois em 1950 Charlie Parker brilhara num jam session no seu salão, mas em 1958 a gerência já não tinha fazenda para animar as noites, pouco concorridas, diga-se, senão contratando um pianista de reputação meramente local. De certeza que ninguém adivinharia as repercussões da decisão da editora Argos de gravar as sessões desse pianista, de seu nome Ahmad Jamal.
Nado e criado em Pittsburgh, terra de siderurgias não de jazz, Jamal cedo percebeu que só poderia singrar como músico profissional noutras paragens. Em 1950 ei-lo em Chicago dirigindo o String Trio (piano-contrabaixo-bateria), formação pouco usual no jazz, inspirada na de Nat “King” Cole, enorme pianista além de cantor. Este grupo atingiu notoriedade suficiente para ser convidado a atuar no Embers de Nova Iorque e gravar alguns discos. Mas após umas temporadas anódinas  Ahmad Jamal, que viria a confessar nunca sequer ter passado pela rua 52, e o contrabaixista Israel Crosby decidiram regressar a Chicago, deixando para trás o guitarrista Eddie Calhoun, substituído pelo baterista Vernell Fournier. Donde as noites no bisonho Pershing, como pianista residente.
 
 

Complete Live at the Pershing Lounge 1958
2007
Gambit 69264
Ahmad Jamal (piano); Israel Crosby (contrabaixo); Vernell Fournier (bateria).
 
 
A recepção crítica de “Ahmad Jamal at the Pershing” nos casos mais brandos foi enfastiada, empurrando-o com o mindinho para o canto da música de entretenimento ou de cocktail bar.
Hoje será fácil ficarmos escandalizados com a surdez dos coevos, mas há que perceber que a crítica respira o ar do seu tempo. E tanto a música como a carreira de Ahmad Jamal pareciam assaz equívocas naquele momento. Em primeiro lugar o pianista não havia ainda demonstrado rasgo de inspiração ou de inovação que notabilizasse o seu trabalho; em segundo lugar, a ideia de “inovação” é instrumental para justificar a condescendência crítica, pois o disco de Jamal é contemporâneo de “Something Else!!!!”, a estreia de Ornette Coleman, tem mais um ano do que “Blue Trane”,  o início da fama de John Coltrane, e é dois anos mais velho do que o pontapé de saída de Cecil Taylor.
Ou seja: os tempos não estavam para estas flores de suave aroma propostas por Ahmad Jamal, mas antes para vanguardas, ruturas, gestos radicais. A este óbice teremos de acrescentar o tremendo êxito comercial de “Ahamd Jamal at the Pershing”, que se manteve 108 semanas na lista do Billboard, sobretudo graças à popularidade do percussivo tema “Poinciana”, um feito imediatamente visto como um estigma, pois constituía prova cabal da sua facilidade e do seu medianismo. Apenas Miles Davis levantou a voz por ele. Admirava a técnica de Ahmad Jamal a ponto de pedir aos músicos da sua secção rítmica que fossem ouvi-lo para verem como se mudava subtilmente de tempo a meio do tema.
Ahmad Jamal sempre desgostou da palavra “trio” preferindo “ensemble”, designação própria de quem prefere um jazz de câmara. E este é o principal traço do seu estilo: preferir a integração à interação entre os músicos – os instrumentos confluem em vez de conversarem. É a superfície do triângulo, de preferência equilátero, que lhe interessa e não a personalidade de cada um dos lados. Os seus dedos gostam de se aventurarem nas zonas mais periféricas do piano, libertando uma sonoridade aguda, refinada e saltitante, sempre a limar as arestas em busca da fluidez.
Com “At the Pershing” Ahmad Jamal ocupou um lugar que não esperava: o de ser a peça que faltaria entre Erroll Garner e Mary Lou Williams, a montante, e os pianista milesianos, como Herbie Hancock, Keith Jarrett, a jusante.
 
 
José Navarro de Andrade
 
 
 

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